Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá
ou Como eu queria uma onda de calor agora
Me mudei pra Alemanha com muita raiva do Brasil. Raiva do Bolsonaro, raiva da inflacao, raiva da violencia, raiva dos meus vizinhos homofóbicos, raiva da minha família que nao me deu lá muito apoio, raiva de nao ter conseguido transportar minha carreira que ia muito bem obrigado aqui pra gringa. Era bem difícil de entender porque outros brasileiros tinham tanta vontade de voltar e rever suas famílias todos os anos. O mundo é tao grande -- e a Europa, tao central -- que eu poderia viajar pro mundo todo antes de sequer ter vontade de voltar pro Brasil. Coisa de sagitariano. E de crianca prodígio que morre de medo de virar o filho pródigo, chegando em casa muito mais fodido do que saiu. Mesmo nos meus piores momentos depressivos, eu preferia ir pro inferno antes de voltar pra casa.
E, olha só, a vida aqui na Alemanha é muito, muito mais fácil do que no Brasil. Uso meu celular até nas ruas mais "perigosas" da cidade. Mes passado eu comprei uma lava e seca quase inteira com o dinheiro de um bico em feira de jogo de tabuleiro. Viajei mais aqui em 2 anos do que nos 10 que morei em Sao Paulo. Tenho amigos ótimos, arrumei um trampo meio período onde consigo falar ingles sem nem ter que mostrar meu currículo, apenas por ser legal. Consigo pagar várias coisas legais só com esse salário mínimo. Vou tanto no cinema. Tenho jogado jogos ótimo. E a cerveja é maravilhosa.
Mas, como o tempo cura tudo, toda vez que preciso esperar 6 meses pra ir na dermato ou que o meu trem de ponta é cancelado por causa de garoa ou que eu preciso pagar uma conta no correio, cresce meu orgulho viralata. A gente pagava água de coco do carrinho no PIX. A gente ficava doze horas esperando na fila do SUS, mas saía com antibiótico. O Zug de Rosenmontag de Colonia é uma piada perto dos bloquinhos que desciam ali no Bexiga. Aquele gol de bicicleta do Richarlison eu nunca vou conseguir superar. A gente tem sempre suco de laranja natural. A gente tem coxinha. Putz, a gente tem feijao de várias cores e ainda faz feijoada. E mais: só latino-americano sabe temperar carne de boi.
É aquilo: é muito mais fácil amar o Brasil morando em Paris, quando voce só ouve Chico Buarque e nao precisa pegar duas horas de onibus no sol quente todo dia. Ou quando voce pede delivery de farofa e guaraná da loja de produtos latinos de Düsseldorf sem ter que equilibrar dois empregos e um projeto paralelo pra pagar o aluguel de um ape de dois quartos sem sacada na beirinha do centro expandido.
Mas aí cai a primeira neve do ano e voces aí lancando livro na Odisseia de Porto Alegre, em Paraty ou na CCXP. Meia noite chegando às cinco da tarde e voces estao comemorando festas de casamento de amigos meus de longa data. Minha rinite e minhas alergias de pele atacando de frio e sobrinho meu que nem conheci ainda fazendo aniversário de tres anos. O céu cinza há tres meses e voces aí de regata. Nao tem feirinha de Natal com glühwein que aguente. Foda-se os castelos e as catedrais belíssimas do lado de casa. Tudo que eu queria era uma onda de calor. Certeza que o Goncalvez Dias escreveu todos aqueles poemas no inverno em Coimbra.
Tudo isso pra dizer que se eu passar mais um inverno inteiro aqui na terra do Goethe talvez nao tenha mais Deborah até o próximo verao. Em fevereiro vou visitar minha sogra que me fez o favor de comprar um terreno em Joao Pessoa só depois que nos mudamos pra Europa (pelo menos tenho a casa na praia paradisíaca pra me refugiar do frio agora. e é o mesmo preco de aviao do que seria de Sao Paulo). Acho que vai tornar Janeiro, o pior mes, mais fácil. E se voce por acaso estiver no Nordeste em fevereiro, me manda um alo. Quem sabe a gente nao se encontra por lá?
acho que alguém está homesick rs
boa viagem! aproveita bem o Brasilzão ❤️ dê e receba todos os abraços possíveis!