A vantagem de ter nascido bilíngüe é que nunca precisei de escolinha de inglês. Pelo contrário, lembro de tardes longas assistindo TV Colosso e não entendendo nenhuma piada que a Laerte ou o Arnaldo Branco escreveram praqueles cachorros enormes. Mas eu conseguia, sim, me comunicar com a Vovó, meus primos e tios, desde sempre.
Meu primeiro namorado, no entanto, tinha outra opinião. Invejoso, ele dizia que não fazia sentido aprender dois idiomas ao mesmo tempo: que eu mesma confundia o tempo todo. Foi a nossa primeira grande briga. Mas joke's on him, que, alguns anos depois, fez intercâmbio na Espanha e passou a confundir belamente o português com o espanhol.
O problema real de ter nascido bilíngüe — e de falar fluentemente uma das línguas mais difíceis do mundo (dizem) e também a mais imbecil — é que eu fico muito frustrada aprendendo outros idiomas. Como assim eu estudei tanto tempo de alemão e não consigo trocar ideia ainda com as pessoas na rua? Eu simplesmente não consigo entender como é estudar, estudar, estudar e não sair falando.
No Porto Seguro, a gente aprendia 3 línguas estrangeiras: alemão desde a terceira série, inglês a partir da quinta e espanhol depois da oitava. Tendo entrado no Porto na 5a série e ficado até me formar no colegial, eu estudei alemão por uns 7 anos. Eu adorava. Muitas das bandas de metal que eu ouvia na época eram alemães, eu adorava cinema expressionista e queria muito ler Kafka e Goethe no original.
Na 8a série, teve uma prova de nível e eu não passei. Zerei a gramática da redação. Acho que errei todos os artigos. Fiquei desolada. A professora foi me consolar dizendo que, quando você aprende um idioma novo, tem que pegar leve na gramática, fazer frases mais simples, senão você erra mesmo.
(Uma pausa para quem não sabe nada de alemão: O pior da língua não são as palavras enormes — eu até gosto. O problema mesmo são as declinações. Diferente do português, o gênero da palavra interfere nos numerais, adjetivos e até mesmo no substantivo. E faz diferença se a palavra é o sujeito, o objeto e se está na voz passiva ou ativa. Outra coisa é que o verbo no alemão sempre vem em segundo lugar na frase - menos quando não vem. )
Depois disso, meio que liguei o foda-se e decidi que iria me mudar pra Alemanha quando fosse mais velha e só então aprenderia alemão.
E cá estamos nós.
Fiz dois semestres de alemão 5 e 6 na na faculdade depois. E aí fiz um pouquinho de revisão num curso online antes de me mudar. Não conseguia pedir sorvete quando chegamos. Nem ler as instruções de como lavar roupa na lavanderia. Ou perguntar em qual plataforma deveria pegar o trem. Ou chamar ajuda quando fiquei trancada para fora de casa.
Senti que joguei todos os 10 anos de estudo de alemão no lixo, que deveria ter levado mais a sério na escola, mantido os estudos depois, lido mais, visto mais filmes, sei lá. Feito curso no Goethe em São Paulo em vez de só ficar me enganando que sabia um pouquinho, sim.
Então, comecei um curso online e tenho feito aulas quase todos os dias. Já consigo ler jornal, consegui discutir sobre a 3a dose da vacina com o médico, ninguém mais muda pro inglês automaticamente quando tento falar com eles, outro dia entendi um episódio inteiro de um desenho animado!
Aí uma amiga (alemã, veja só) nos convidou para assistir um jogo de futebol num Kneipe daqui. Talvez fosse o dialeto de outra região ou a velocidade, mas parecia que eu tinha acabado de chegar de novo.
"Zu schnell?" ela perguntou, quando percebeu que eu não estava entendendo nada.
"Ja, schnell pra caralho," eu respondi, no alemão mais devagar do mundo inteiro.
Vivo perguntando pra Yolanda se aprender inglês foi tão difícil assim. Se todo dia é uma caminhada e uma dor de cabeça. Ela tenta me acalmar dizendo que sim. Que é assim mesmo, que tem cair no mundo e não tem jeito. Ela só foi fazer aula de inglês com 14 anos e hoje trabalha nesse idioma. Eu acho bem corajoso - eu, que desisto super fácil das coisas.
Conforme o tempo foi passando, eu entendi um pouco das conversas paralelas no meio do jogo e, na volta, consegui pedi dois dönners sem falar inglês. Eu vou comemorando as pequenas vitórias. Já me conformei de que nunca vou falar tudo certinho, que talvez eu nunca consiga ser redatora aqui. Mas quem sabe no próximo inverno eu não consiga ficar deprimida lendo Kafka no original?
É difícil mesmo, mas não é impossível. Você consegue <3
Você vai conseguir! <3